quinta-feira, 23 de julho de 2009

Mutarara


É difícil eleger meu maior aprendizado nesse tempo fora.
Mas tem uma coisa que me marcou de modo especial.
Conheci muitas pessoas.
Eu falei “muitas”.
Pessoas que viajaram o mundo todo.
Pessoas que nunca saíram da cidade que nasceram.
Pessoas que viveram no meio da guerra.
Pessoas que nunca viram um assalto.
Pessoas com salários na casa dos 20 mil euros.
Pessoas que só consomem o que produzem.
Mas todas elas “pessoas”.
Vidas completamente diferentes.
Mas incrível e simplesmente “vidas”.
OK, ok, mas porque essa filosofia de boteco agora?
Estou em Mutarara.
Teoricamente, um dos lugares mais pobres do mundo.
Daqueles que aparecem no UOL Tragédias e etc.
Em época de chuvas, aqui alaga que não sobra nada.
É carinhosamente apelidada de “a ilha”.
Água encanada?

Bom, olhe a foto e me diga se precisa.
Luz elétrica precária.
Acesso à vila?
Hoje só de moto.
Pra quem tem.
Senão é bicicleta.
Ou a pé mesmo.
Sem falar da malária...
E aí logo vem aquela imagem da África:
Sofrimento, miséria, tristeza.
Engraçado.
Apesar de tudo, ainda achamos que estamos no caminho “bom”.
Que podemos classificar e aconselhar os outros.
Que o resto do mundo são uns coitados que precisam da nossa ajuda.
E por isso somos cheios de planejamento à longo prazo.
De fórmulas mágicas para a vida.
Pra combater o “subdesenvolvimento”.
Pra alcançar a felicidade.
Vejam vocês...
Hoje é segunda-feira.
São 21h.
O que fazem os infelizes moradores de Mutarara?
Os pobre-coitados sofredores subdesenvolvidos?
Fazem festa.
Algum dia especial?
Não.
Precisa ser?
Amanhã é terça.
Deve ter festa de novo.
Na verdade não é bem uma festa.
Simplesmente estão se divertindo.
Segunda-feira à noite.
Algum problema?
Ouvi uma “explicação” pra isso.
Como se precisasse explicar o porquê de estar se divertindo.
Não pode se divertir sem motivo?
A explicação:
“Fazemos festa quando tem, e se no sábado não sobrou nada?”.
E eles estão errados?
Há quem economiza a vida toda pra garantir a aposentadoria.
E aí com 60 anos sai pra conhecer o mundo.
Conheci casais de velhinhos que fazem isso.
Geralmente suecos, noruegueses e simpatizantes.
Aposentados, vão curtir a vida.
Mas eles estão errados também?
Realmente tem que ter alguém certo e alguém errado?
Há quem diga que os suecos é que estão certos.
Pois afinal estão vivos e ricos com 60 anos.
Ah...
Então vou lhes apresentar o “madala”.
É o apelido do “seu Jorge”, funcionário da pensão de Mutarara.
“Madala” significa algo como “velhote” em mais de uma língua daqui.
Figuraça.
Tem lá pelos 60 anos.
Viveu a colonização.
A independência.
A guerra.
Tinha tudo pra ser o ódio em pessoa.
Mas não.
Está sempre de bom humor.
E não acerta uma.
Você pede frango, ele traz peixe.
Você pede Fanta, ele traz Sprite.
Isso quando ele te dá atenção.
Geralmente você berra e ele nem te ouve.
Recebe salário de 6 em 6 meses.
Mas é, digamos, por uma “boa causa”.
Assim que ele recebe o salário, ele some.
Fica duas semanas incomunicável.
Só fala com a bebida.
Gasta tudo que tem (e não tem) na manguaça.
Depois de duas semanas, ele volta ao trabalho.
E essa é a vida dele.
Sua vida de 60 anos.
Todo dia ele conversa, ri, esquece as coisas.
Faz trabalhos braçais.
Está tão vivo quanto os suecos.
Cada um à sua maneira.
Mas vivos.
Nasceram em lugares diferentes.
Viveram situações diferentes.
Tiveram sofrimentos diferentes.
Ou vocês acham que sueco não sofre?
Mas estão aí, vivendo.
Dá pra falar que alguém está melhor ou pior?
Dá pra falar que alguém teve mais ou menos oportunidades?
Dá pra recriminar os caminhos que eles escolheram?
Dá, se você insistir nessa historinha de certo e errado.
De bom e mau.
Desenvolvimento e subdesenvolvimento.
Até verdade e mentira, porque não?
Mas já estou cansando dessas preocupações.
Essas reflexões e tal...
E me arrisco a dizer uma coisa.
Esse tipo de preocupação é só nossa.
De entender vida.
E planejá-la do melhor jeito possível.
O pessoal de Mutarara tem mais com o que se preocupar.
Amanhã tem festa!

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Morrumbala


Algumas pessoas pediram pra eu falar sobre minha viagem.
Então aí vai...
Essa foto foi no meu primeiro dia em Morrumbala.
Primeiras impressões.
Um tanto quanto surreal, não?
Aqueles quadros do Dali, com elefantes, relógios e etc.
O cara era criativo, temos que admitir.
Ele olhava pra realidade e pintava uma viagem da cabeça dele.
Baseado (muuuuito baseado) na realidade, claro.
Mas dessa vez parece que aconteceu o contrário.
Deus olhou um quadro do Dali e disse:
- Poxa, que interessante. Vou fazer igual.
E assim se fez Morrumbala.
Pra vocês verem, né...
Até Deus, na Criação, usou essa coisa do “baseado em fatos reais”.
Péssima piadinha de duplo sentido.
Além de heresia gravíssima.
Mas como eu disse esse foi o primeiro dia.
Eu tinha acabado de chegar.
Estava dentro de casa ainda.
E eu era louco de sair?
Como eu não conhecia o lugar, parecia estranho.
Mas estranho repetido vira normal.
E aí eu fui me acostumando.
Mesmo porquê a neblina foi só no primeiro dia.
E aos poucos aquele surreal se tornou rotineiro.
O surreal virou real.
Na verdade mudou o ponto de vista.
Eu, de dentro de casa, via o meu quintal como algo surreal.
Surreal porquê eu não o conhecia.
A surrealidade, fazer o quê, vinha de dentro de mim.
Não era o mundo que era estranho, e sim eu.
Então na hora de ir embora resolvi inverter também.
Resolvi trocar de ponto de vista.
Ao invés do quintal visto da casa, olhei a casa a partir do quintal.
Não era como eu via o mundo, e sim como o mundo me via.
E não é que a vida é mesmo mais simples do que parece?
Às vezes nossa mente imagina coisas absurdas.
Surreais.
Tentamos imaginar algo mais bonito do que o real.
Mas às vezes o real também é bonito.
Às vezes não, quase sempre.
Basta prestar atenção.
O simples também pode ser bonito.
Olhem a foto tirada de fora pra dentro.
Não é a coisa mais real possível?

A coisa mais simples possível.
Mas não deixa de ser bonito.
Algo que Dali talvez não tenha sido criativo o suficiente para pintar.
Ou talvez algo que ele tentava não enxergar...






Pra finalizar, um flagrante da origem da surrealidade.
O Homem!
Esse aí, no caso, se chama Ruy.


sexta-feira, 3 de julho de 2009

A Casa e a Árvore...


Tirei essa foto em Morrumbala.
Ou em Mutarara.
Ou na estrada entre os dois.
Tá, foda-se...
O negócio é que eu queria escrever algo sobre ela.
Primeiro pensei em contar sobre a minha viagem.
Tipo o que eu fiz, o roteiro.
Diário de bordo mesmo.
Mas dormi no meio.
Depois tentei uma coisa mais filosófica.
Tipo “a relação sociedade x natureza”.
A geografia, e tal...
O “babaca”, né?
Só faltava fazer citação.
Aí pensei em falar da História de Moçambique.
O colonialismo português, a independência moçambicana.
Pois é, a FFLCH faz mal às pessoas...
Então resolvi escrever um conto.
Inventar uma narrativa a partir da foto.
Era de um menino que queria ter uma casa na árvore.
E de repente era a árvore que estava fazendo sua casa na casa.
Puta liçãozinha de moral barata.
E de repente eu percebi que eu não queria escrever nada.
Na verdade já estava escrito.
Que mania de querer explicar tudo...
Então taí a foto.
Cada um que imagine o que quiser.
Desenho livre.
Juro que é divertido!