quarta-feira, 30 de abril de 2014

Before I Jump Like Monkey Give Me Banana

Alguns pontos das bananas e macacos me incomodam.

O primeiro de todos é a orquestração por uma agência de publicidade.

O mais genial, o mais louvável dessa história toda era, pra mim, a espontaneidade e a ironia do Daniel Alves em comer a banana, bem mais do que a foto do Neymar com a banana e tudo que veio em seguida.

Mas parece que não foi bem assim.

Pelo que tenho lido, não foi apenas a campanha do Neymar que foi “rapidamente” pensada pela agência de publicidade, mas a própria idéia de comer a banana já estava planejada há algum tempo.

A agência de publicidade aparentemente envolvida não é uma agência pequena (fiz uma rápida busca na internet pra verificar), e não entraria na brincadeira simplesmente pra combater o racismo ou aparecer na mídia.

Sendo uma grande empresa, seria natural a existência de uma boa trama financeira no projeto (que incluiria, por exemplo, uma linha instantânea de camisetas), e não me espantaria se outras implicações e interesses mais obscuros estivessem no pacote.

Viajando nas minhas suposições, e de acordo com o que foi dito até aqui, também não seria um absurdo imaginar que mesmo o lançamento da banana no gramado fez parte do projeto, sendo executado por alguém indicado para tal – o que seria, sem dúvida, um absurdo.

De qualquer maneira, também não sou da opinião de que toda essa comoção só seria válida se a banana tivesse sido comida espontaneamente.

Seria, realmente, um ato mais poderoso e sincero de resistência ao racismo, mas também é possível planejar uma resistência.

Greves e manifestações, por exemplo, geralmente são planejadas.

O que incomoda não é o planejamento, mas a forma com que se planejou a crítica ao racismo.

Nada contra os macacos, mas a palavra tem um poder simbólico muito grande, e o planejamento dá a possibilidade de se pensar e utilizar na campanha um termo que não trate os negros da maneira pejorativa com que sempre foram tratados por aqui.

Obviamente a moda de se jogar bananas nos estádios da Europa é uma maneira clara de chamar os negros de macacos, mas internalizar a ofensa não é, penso eu, a melhor forma de combatê-la.

Aliás, muito me espanta essa reação generalizada contra o racismo sofrido por brasileiros na Europa, como se aqui no Brasil tivéssemos resolvido muito bem nossas questões raciais.

Pela quantidade de pessoas que se manifestam com a banana na mão, vai ser difícil explicar pros gringos durante a Copa por que os negros são maioria nas periferias e prisões da nossa sociedade tão igualitária e solidária.

Vai ser difícil explicar também porque eles, os gringos da Copa, que virão passar apenas um mês de esbórnia em nossas terras, serão tão melhor tratados do que os haitianos, bolivianos, africanos, e tantos outros, responsáveis por fazer o trabalho pesado e barato que ninguém quer fazer e critica quem faz.

Nós sabemos a explicação.

O mundo não pode saber.

Em época de Copa do Mundo e Olimpíadas, não podemos mostrar ao mundo um país tão ou mais racista do que os acusados europeus.

Por isso, somos todos macacos.

Temos várias fotos com bananas, um slogan fácil de decorar e celebridades apoiando por todo o mundo.

A publicidade cria, agora, a imagem de um Brasil sem preconceito.

A imagem de um Brasil que combate o preconceito.

Que come a banana.

Lá fora.


O ato foi genial.

Mas há, por trás dele, mais coisas do que pode supor nossa vã filosofia.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Datas



40 anos da Revolução dos Cravos em Portugal.
20 anos do fim do apartheid na África do Sul.
Distantes duas décadas entre si.
Distantes alguns milhares de quilômetros.
Mas relacionados.
Por Moçambique.
1974.
Moçambique era ainda colônia.
Mas lutava para mudar isso.
Literalmente.
Desde a década de 60, a luta se arrastava.
Não só em Moçambique.
Em toda a África portuguesa.
Com isso, Portugal se enfraquecia.
Gastava o que não podia com o exército.
Fazia de tudo pra manter suas colônias.
E deixava seu povo cada vez mais de lado.
Esse povo foi ficando insatisfeito.
E o exército também.
Afinal, as guerras não acabavam.
Mas Salazar batia o pé.
Até que não deu mais.
Povo e exército se juntaram.
Uma união, digamos, incomum.
Mas aconteceu.
25 de Abril de 1974.
Dia da Revolução dos Cravos.
Era o fim do Estado Novo em Portugal.
Era o fim das guerras coloniais.
Em setembro, os Acordos de Lusaka foram assinados.
Portugal reconhecia a independência moçambicana.
Que se efetiva em 1975.
Moçambique, enfim, se libertava.
Mas um vizinho seu não.
O apartheid vigorava intensamente na África do Sul.
Independente, Moçambique não parava de lutar.
O objetivo, agora, era ajudar na luta anti-apartheid.
E assim o fez, o quanto pôde.
Abrigou sul-africanos.
Deu apoio internacional.
Internamente, porém, a luta também não acabava.
A guerra de desestabilização arrasava o país.
E se Moçambique combatia o apartheid sul-africano.
O apartheid sul-africano combatia Moçambique independente.
Com mais recursos e poder militar.
Moçambique teve que ceder.
Em 1984, assina-se o Acordo de Nkomati.
A África do Sul parava de atacar Moçambique.
E Moçambique parava de combater o apartheid.
A semente, porém, estava plantada.
O apartheid resistia.
Mas a resistência a ele crescia mais e mais.
Na África do Sul, no continente africano e pelo mundo afora.
Durou ainda por mais 10 anos.
Mas acabou.
10 de maio de 1994.
Nelson Mandela assume a presidência sul-africana.
Exatos 20 anos e 15 dias após a Revolução dos Cravos.
Datas simbólicas.
Vitórias populares.
Políticas também, obviamente.
Mas, sobretudo, simbólicas.
Só tenho medo que se tornem apenas isso.
Portugal sofre com a “democracia” da União Européia.
Moçambique não tem respiros na luta.
O apartheid social ainda resiste na África do Sul.
Revolução, independência, igualdade.
Os nomes são bonitos.
A realidade, nem tanto.
A situação é bem melhor do que antes.
Sem dúvidas.
Mas o caminho é longo.
As dificuldades são enormes.
A resolução é demorada.
Complicada.
E não depende só deles.
Mas que as datas sirvam de exemplo.
Que mostrem que é possível mudar.
Que lembrem que é preciso mudar.
Que simbolizem momentos de resistência.
E que sejam comemoradas!

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Ter ou não ter: eis minha questão com a Copa



A Copa se aproxima.
Com ela, um sentimento ambíguo.
Imagino que não seja só meu.
Acredito que seja compartilhado.
Por pessoas que gostam muito de futebol.
Mas que também se preocupam com a realidade brasileira.
Ter ou não ter a Copa?
Pra quem gosta de futebol é um prato cheio.
Tenho consciência de que é elitista.
Atletas milionários, organizações corruptas.
Ingressos caríssimos, estádios superfaturados.
O futebol moderno.
Que não sobrevive sem o futebol amador.
O futebol da várzea.
Das quadras dos colégios.
Da rua.
Mas é um evento único.
E que marca a vida das pessoas.
Pelo menos a minha.
De quatro em quatro anos o mundo para.
Nossa rotina muda.
Em dia de jogo do Brasil, então.
O clima das ruas é outro.
E não dá pra ficar impassível.
É a época de ver muitos jogos.
Torcer pras seleções africanas.
Pras latino-americanas.
Menos a Argentina.
Vibrar com as zebras.
Palpitar, secar.
Conversar, tomar cerveja.
Viver futebol.
Tem que ter a Copa.
Mas não nos iludamos.
Pro Brasil, essa Copa não é qualquer uma.
É a Copa do Brasil.
Era pra ser um fato positivo.
Mas está longe disso.
É a Copa mais cara da história.
Onde não se fez nada além de estádios.
Que nem prontos estão.
É a Copa da FIFA.
Que diz tudo que o Brasil deve fazer.
E o Brasil acata.
Como sempre acatou as ordens do exterior.
É a Copa da polícia.
Da repressão.
E por isso vem o desejo de que não tenha Copa.
Que a euforia vire manifestação.
Que tenham greves.
Que se interrompam os jogos.
Que a Copa do Brasil entre pra história.
Como a Copa que não aconteceu.
Daí a ambigüidade.
E quem gosta de futebol, vai ignorar os jogos?
Como se nada tivesse acontecendo?
Vai ser possível não parar na frente da TV, por pouco que seja?
E a consciência, vai ficar em paz?
Com toda essa sujeira, vale a pena acompanhar?
Dar audiência pra FIFA, pras empresas que patrocinam?
Tento imaginar como vai ser durante a Copa.
Não acho que a população vai deixar de ver os jogos.
Assim como duvido que não vá ter manifestações.
Mas o manifestante vai dar uma espiada nos jogos.
E os torcedores vão apoiar os protestos.
Sem crise.
É contraditório mesmo.
Contraditório como o próprio Brasil.
E como toda essa história de Copa.
Gosto de futebol.
Gosto de pensar o Brasil.
E tenho dificuldade de colocar na balança.
Espero que eu não seja o único.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Auto-Geografia



Tudo tem uma geografia.
Inclusive eu.
Vim de algum lugar.
Em decorrência de algum processo histórico.
E assim sigo minha vida.
Indo e vindo dos lugares.
Recebendo influências de vários outros lugares.
E dando continuidade aos processos.
Que, obviamente, não foram começados por mim.
Apenas dou continuidade.
Vamos lá.
Sou recente no Brasil.
Nasci aqui, claro.
Mas meus ancestrais não.
Avós e bisavós, pra ser mais exato.
Tenho origens européias.
Por parte de pai, vim de Portugal.
Por parte de mãe, vim da Itália.
Na verdade não é bem assim.
Quando digo Portugal, digo a Ilha da Madeira.
Quando digo Itália, digo a Sicília.
Ambas são separadas dos países respectivos.
Ambas são separadas da Europa continental.
Não são, afinal, a Europa vendida ao mundo.
São, poderia dizer assim, uma periferia da Europa.
Mais do que isso.
Dêem uma olhada num mapa.
Elas são mais próximas da África do que da Europa.
Onde a população é, de modo geral, mais pobre.
A tal ponto que precisam migrar.
Mas a migração não começou aí.
Não tenho evidências, mas acho lógico isso ter acontecido.
Portugal viveu por um bom tempo sob a influência dos mouros.
Que formaram também a população madeirense.
Por muito tempo, a Sicília foi dominada pelos muçulmanos.
Então por isso imagino que eu tenha um pé no mundo árabe.
Um pé não, um nariz.
Só não vê quem não quer.
Viva o Mediterrâneo!
De qualquer maneira, voltemos à pseudo-Europa.
Portugueses do ultra-mar e italianos insulares.
Geralmente em dificuldade nas suas terras.
E que viam na migração uma oportunidade de melhorar de vida.
Brasil, a terra das oportunidades.
São Paulo, a terra do café.
Eis que me aproximo de mim mesmo.
Minha família paterna plantava café.
Minha família materna comerciava café.
Inicialmente, as famílias foram pro interior.
Alguns foram pro litoral.
Mas todos gostavam das oportunidades.
E como tantas famílias do Brasil, vieram pra capital.
A cidade das oportunidades.
Por isso nasci em São Paulo.
Uma vez nascido, porém, precisava estudar.
E lá fui eu passar boa parte da minha vida no Mackenzie.
Uma escola americana.
Melhor, norte-americana.
Melhor ainda, estadunidense.
E depois de cruzar o Mediterrâneo e o Atlântico.
Fui ao norte das Américas.
Ok, nunca viajei pra lá.
Mas aprendi o raciocínio.
E aprendi que o Brasil sempre gostou do raciocínio deles.
Mesmo os que não podem entrar no jogo.
Por isso, não me convenci.
E fui fazer Geografia na USP.
Onde o raciocínio é completamente outro.
Apesar das bases européias.
Francesas e alemãs, majoritariamente.
Resultado da difusão da ciência ocidental.
Da exportação das universidades e das correntes de pensamento.
Enfim, da tentativa de ocidentalizar o mundo.
De qualquer jeito, sejamos justos.
Há um bom tempo existe uma Geografia brasileira.
Muito boa, por sinal.
Mas admito que demorei pra perceber.
Demorei pra me desocidentalizar um pouco.
Disse um pouco.
Ainda falta muito.
Mas algo ajudou.
Depois de cruzar o mediterrâneo, o atlântico e as Américas, fui à África.
Dessa vez, literalmente.
Não foram meus parentes, nem meu raciocínio.
Fui eu mesmo.
Mas não descobri a roda.
Era uma época de renascimento africano no Brasil.
E só fui pois havia um convênio acadêmico.
Um movimento em direção à Moçambique já existia.
Apenas segui o fluxo.
E enfiei uma nova geografia na minha cabeça.
Um novo referencial, um novo parâmetro.
Novos valores.
E depois de todo movimento, eis que estou em São Paulo de novo.
Na cidade em que nasci.
Meu referencial perante o mundo.
Onde toda minha história converge.
E onde baseio minha vida.
Mas sem parar de me movimentar.
Afinal, existe um dado curioso da minha família.
Digo a família direta.
Pais, avós, bisavós.
Não sei se são todos.
Mas todos que eu sei foram assim.
Todos migraram uma vez.
Nasceram em um lugar e foram pra outro em definitivo.
Não posso garantir que farei o mesmo.
Nem pra onde vou.
Mas algo eu sei que herdei.
Um sangue migrante.
Tenho uma herança migrante.
Uma propensão natural ao movimento.
Que é, afinal, a base da geografia.
Pelo menos a que eu estudo.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Questão de Ritmo


Gostaria de fugir da mesmice.
De não insistir no óbvio.
Mas, de início, não tem como.
Quero falar sobre ritmo.
E falo a partir de um lugar.
São Paulo.
A cidade alucinante.
A cidade da correria.
Da hora marcada.
Do relógio despótico.
Do ritmo incessante.
Mas sei que não é exclusividade nossa.
É o ritmo das grandes cidades.
De qualquer lugar.
Do Brasil, dos Estados Unidos, da Índia.
Mais do que isso.
É o ritmo do capitalismo.
Não quero entrar numa discussão conceitual.
Quando digo capitalismo, digo duas coisas:
Exploração e consumismo.
E o ritmo deles.
Tem um filme sobre isso.
Chama-se “Koyaanisqatsi”.
Pra quem não viu, recomendo.
A partir dele, coloco uma posição minha.
Minha maneira de burlar o capitalismo.
Pelo menos acredito ser assim.
Diminuir o ritmo.
Não entrar na corrida.
Acompanhar o mínimo possível.
Não acho que se tenha que parar de consumir.
Mas que se consuma mais devagar.
Não quero que paremos de trabalhar.
Mas que trabalhemos numa velocidade mais digna.
E tenho pra mim que é possível.
É uma mudança de atitude pessoal.
Não é simples, admito.
Mesmo eu, me pego acelerando.
Consumindo, correndo.
Ficando ansioso.
Mas acho possível.
E acho que por isso comecei a gostar de reggae.
Pela proposta de diminuir o ritmo.
Literalmente.
O ritmo da música é mais lento.
E mais pulsante.
Tem algumas músicas que falam disso na letra.
“Take it easy”, do Hopeton Lewis.
“More time”, do Linton Kwesi Johnson.
Deve ter mais.
Mas não lembro.
Acho que por isso também gostei de Moçambique.
A pressa não é uma característica moçambicana.
Pelo menos não era enquanto estive por lá.
Em Maputo, diminui o ritmo.
E achei mais agradável.
Mas quero deixar claro uma coisa.
Essa opção de diminuir o ritmo é minha.
Não me parece ser uma tendência geral.
Ainda que todos reconheçam o sufoco de hoje em dia.
Então, mais do que defender uma diminuição de ritmo.
Defendo que cada um siga seu próprio ritmo.
Acelere e reduza a marcha conforme necessário.
E conforme a possibilidade.
Pois aposto que agora você está com o tempo contado.