quarta-feira, 28 de maio de 2014

O clima de Copa



Nasci em 1986, ano de Copa.
Tinha pouco mais de um mês de vida durante o torneio.
Por mais que me esforce, não lembro de nada.
Mas vi uma foto.
Meu pai todo de amarelo, com faixa na cabeça.
E eu no colo.
Em 1990, minha primeira lembrança.
O gol do Caniggia, Brasil eliminado.
E meu primeiro álbum de figurinhas.
Mas o clima de Copa eu comecei a sentir em 1994.
E assim foi em 1998, 2002, 2006 e 2010.
Ruas decoradas.
Chão pintado de verde amarelo.
Bandeirinhas penduradas.
Lembro, em 2002, de ir ao Morumbi.
Era o último jogo do São Paulo antes da Copa.
Teve até bandeirão pra seleção.
Uma euforia total.
Enormes discussões sobre a convocação.
E me parece que sempre foi assim.
Ganhei da Aline dois livros sobre a história das Copas.
Um sobre os bastidores do jornalismo.
O clima das coberturas do evento.
Do Nelson Motta.
E outro de crônicas de jornal.
Escritas pelo Carlos Drummond de Andrade.
Muito bom, aliás.
Além dos livros, ouvi relatos.
Principalmente do meu pai.
E ao que parece, a Copa sempre parou o Brasil.
Pra bem e pra mal.
Em função dos jogos, claro.
Porque agora a história é outra.
As ruas estão normais.
Só vi um murinho pintado na Corifeu.
Poucos falam sobre os jogos.
A convocação não animou nem os jornalistas.
Parece que só o álbum vingou.
O que não significa que o Brasil não parou.
Pelo contrário.
Esse ano a Copa é por aqui.
E não está fazendo muito sucesso não.
Pra ser educado.
Todos estão entrando em greve.
Literalmente parando o país.
E com razão.
Como sempre, ano de Copa é ano de eleição.
E se futebol e política sempre andaram juntos.
Esse ano o céu é o limite.
O Ronaldo que o diga.
A seleção, então, está longe de ser amada.
Tudo bem, faz tempo que ela não o é.
Principalmente porque ela não vinha nunca ao Brasil.
Nem jogar, nem treinar.
Esse ano ela veio.
E a desculpa não cola mais.
Parece que o bicho pegou na apresentação.
Gente protestando.
Chutando o ônibus.
Que nem era o oficial.
Na tentativa de despistar.
Não que o Brasil todo concorde com isso.
Mas parece que também não tinha ninguém apoiando.
A Copa veio pro Brasil.
O clima de Copa não.
Na verdade, veio outro clima.
Veio não, surgiu aqui mesmo.
Um clima de protesto.
De opiniões contundentes.
De rivalidade ideológica.
De tudo, menos futebol.
O único comentário futebolístico é sobre o título.
Se o Brasil perder, o couro come.
Se ganhar, tudo é apaziguado.
Como sempre foi.
Ainda que, dessa vez, eu tenha lá minhas dúvidas.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Descubram o Morumbi















Ontem li uma notícia estranha.
A princípio, ela é péssima.
Pra nós, são-paulinos, claro.
A oposição tanto fez que conseguiu.
Melou a cobertura do Morumbi.
O estádio permanecerá o mesmo por um bom tempo.
O mesmo de mais de 50 anos atrás.
E esse, talvez, seja o lado ótimo da notícia.
Hoje a moda são as arenas.
Cobertas e próximas do campo.
Idênticas umas às outras.
Palmeiras e Corinthians entraram na onda.
A do Palmeiras está a caminho.
Tudo leva a crer que será um luxo.
Ainda que vá demorar pra ser realmente palmeirense.
A do Corinthians está pronta (ou quase).
Inaugurada no último fim-de-semana.
E uma coisa me chamou a atenção.
Não foi unânime entre corinthianos.
Alguns disseram sentir saudades do Pacaembu.
Disseram ser frio o novo estádio.
Possivelmente é questão de tempo.
Aos poucos, a atmosfera do estádio vai se formando.
Apesar de ser difícil se despedir da antiga casa.
Mas há outra crítica.
A da entrada de cabeça no futebol moderno.
Na padronização e setorização internacional.
Como eu disse, as arenas são todas muito parecidas.
E são como shopping-centers.
Divididas em setores que são como lojas.
Os ingressos são caríssimos.
O comércio ambulante, proibido nas redondezas.
E, pra mim, isso acaba com o programa de “ir no jogo”.
Além de impossibilitar para muitos.
Por isso fico feliz com a não-modernização do Morumbi.
Ok, o Morumbi já é bem setorizado.
E isso me irrita bastante.
Mas ainda restam as arquibancadas.
Sinceramente, fiquei triste quando colocaram as cadeirinhas.
Gostava daquele cimentão.
Cabia mais gente.
Mas me acostumei.
Recentemente, trocaram as cadeirinhas.
Não eram mais azuis, laranjas, amarelas e vermelhas.
Agora, são todas vermelhas.
Também não gostei.
Talvez eu tenha uma preferência pelo tradicional.
Mas aquelas cores faziam parte do espetáculo.
Assim como o comércio ambulante.
Tomar uma cervejinha na rua.
Fazer prognósticos.
Ainda que tenham proibido, também, o pernil.
De qualquer maneira, a atmosfera de estádio se mantém.
A cobertura não mudaria isso.
Mas acataria os padrões internacionais.
Mudaria as características do Morumbi.
Falem o que quiser.
Que a arquibancada é longe e etc.
Mas gosto muito de ver jogo lá.
Isso torna o Morumbi único.
E ele pode até ser meio frio, quando vazio.
Mas, lotado, é insuperável.
Entendo que economicamente a cobertura é boa.
Que o dinheiro dos shows é importante.
Que o futebol, hoje, é business.
Mas o Morumbi faz parte da minha vida.
Parte importante.
E não gostaria de perdê-lo aos poucos.
Ainda que ultimamente eu não tenha sido muito assíduo.
Só mais uma coisa em relação à cobertura.
Às vantagens de um Morumbi descoberto.
Que me perdoem os frescos.
Mas se tomar chuva no dia-a-dia é ruim.
Comemorar um gol.
Com estádio lotado.
Debaixo de chuva.
É indescritível.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Bernardo e Wallace



Bernardo nasceu em uma família rica.
Cresceu em um apartamento grande, num bairro nobre.
Estudou, obviamente, em um colégio particular.
Muito conceituado.
E caro.
Mas seus pais podiam pagar.
Pra ele e pro seu irmão.
Bernardo não fazia muita coisa além de ir pra escola.
Jogava futebol, vídeo-game.
Passava boas horas na internet.
Mas estudava razoavelmente.
E geralmente tirava boas notas.
Gostava muito de História.
Admirava os grandes feitos, as conquistas, as guerras.
Mas também se incomodava com a exploração e o colonialismo.
E foi prestar vestibular para a área.
Wallace teve um caminho diferente.
Morava em uma casa apertada, bem longe do centro.
Seus pais não podiam pagar um colégio particular.
Nem pra ele nem pros seus seis irmãos.
Estudou sempre em escola pública.
À noite.
Durante o dia, trabalhava.
Mas sempre que o tempo deixava, estudava.
Assim como Bernardo, gostava de História.
Admirava os grandes feitos, as conquistas, as guerras.
Mas também se incomodava com a exploração e o colonialismo.
E também foi prestar vestibular para a área.
Havia a faculdade pública e a particular.
Os dois prestaram ambas.
Teoricamente, a lógica seguiria.
Quem pode pagar a privada, paga.
Quem não pode, faz a pública.
Mas não era bem assim.
Era o oposto da época de colégio.
No colégio, o ensino privado era considerado melhor.
O público era destinado a quem não tinha acesso ao privado.
Já na faculdade, a menina dos olhos era o ensino público.
A concorrência maior.
Os professores mais conceituados.
O privado era destinado a quem não tinha acesso ao público.
Bernardo passou na faculdade pública.
Bem ele, que tinha dinheiro pra pagar faculdade.
Mas não iria.
Wallace só passou na faculdade privada.
Bem ele, que não tinha dinheiro pra pagar faculdade.
Mas teria que pagar.
Durante a faculdade, Bernardo aproveitou ao máximo.
Passava os dias curtindo o que a faculdade oferecia.
E estudava bastante.
Como não pagava mensalidade, sobrava dinheiro.
Pra viajar, comprar livros, participar de eventos.
Fez jus ao investimento dos seus pais.
Depois de formado, foi à luta.
Queria ser professor.
Já Wallace seguiu sua toada.
A faculdade era paga.
E ninguém podia pagar por ele.
Como antes, trabalhava o dia todo.
E ia pra faculdade à noite.
Agora, porém, trabalhava mais.
Afinal, as contas eram maiores.
Dormia pouco.
Passava o final de semana estudando.
Mas gostava muito do que fazia.
E orgulhava seus pais.
Depois de formado, foi à luta.
Queria ser professor.
Mais uma vez, o caminho de ambos era o mesmo.
Mas, mais uma vez, os caminhos se invertiam.
Bernardo cresceu no ensino particular
Graduou-se no público.
E agora era professor de uma escola privada.
Que pagava bem melhor.
Possibilitando um futuro parecido para seus filhos.
Wallace cresceu no ensino público
Graduou-se no particular.
E agora era professor de escola pública.
Onde o salário é mais baixo.
Possibilitando um futuro parecido para seus filhos.
Ambos voltaram às origens.
Sem mudar drasticamente de vida.
A roda parece girar sempre no mesmo sentido.
Há exceções, sem dúvida.
Cada pessoa tem sua história particular.
Faz suas opções.
Econômicas e ideológicas.
Mas o movimento geral parece ser esse.
Não só na educação.
Nem apenas nas ciências humanas.
Mas na sociedade como um todo.
E não se pode condenar nenhum caminho.
Bem ou mal, todos tem contas a pagar.
Umas maiores, outras menores.
E o fazem conforme é possível.
Conforme suas oportunidades e possibilidades.
Bernardo gosta do que faz.
Wallace também.
Só pra constar.
Meu caminho é mais próximo do de Bernardo.
Cresci no ensino privado.
Hoje estudo no ensino público.
E dou aula particular.

domingo, 11 de maio de 2014

Mais próximos do que parece...



Hoje em dia, tudo é permitido mudar.
Pode-se mudar de nacionalidade.
Pode-se mudar de religião.
Pode-se mudar de orientação política.
Pode-se mudar de opção sexual.
Pode-se mudar, até, de sexo.
Mas uma coisa não se pode mudar.
De time de futebol.
É, talvez, a maior heresia contemporânea.
Não é vista com bons olhos por ninguém.
Virar a casaca, nem pensar.
Romper com seu time é romper consigo mesmo.
Com tudo aquilo que você defende e torce.
Com sua escolha simbólica e ideológica.
Ainda que essa escolha não seja, assim, tão consciente.
Geralmente escolhe-se um time muito jovem.
Geralmente é o time dos pais, ou da família.
Ou, ao contrário, o maior rival, pra provocar.
Pode ser o time que está ganhando tudo.
Ou o que não ganha nada.
Mas que a torcida não para de apoiar.
Muitas vezes, é o time da cidade onde você mora no momento.
De qualquer maneira, a escolha é sempre circunstancial.
Assumir a essência do time é uma tarefa posterior.
O São Paulo é o time da elite.
Dos ricos, dos soberanos.
O Corinthians é o time da massa.
Dos pobres, da maloca.
São opostos.
Não se misturam.
Ou se é uma coisa, ou outra.
Isso pros torcedores.
Porque o torcedor pode não mudar de time.
Mas instituição muda sem dó.
O São Paulo sempre foi o time do capital.
O modelo de clube-empresa.
Mas há tempos não é o único.
Não há, talvez, um único time grande que não seja.
Não há santos.
São todos empresas que visam o lucro.
O Corinthians foi, talvez, o último a se alinhar.
Mas entrou com tudo.
Ronaldo, Nike, estádio próprio.
Marketing, ingresso elitista, programa de sócio-torcedor.
A roda gira sem parar no Parque São Jorge.
Não deixou de ser um clube de massa.
Mas o time do povo é, cada vez mais, do capital.
Já no São Paulo, a história também mudou.
Aquela aura de modelo a ser seguido acabou.
Diretoria amadora.
Picuinhas e briguinhas internas.
A politicagem domina a instituição.
E a enfraquece.
Além disso, não é mais, nem de longe, um time de elite.
Ainda que o Aidar insista.
A torcida cresceu.
Em São Paulo e no Brasil.
É a 3ª maior do país.
Os ingressos, agora, são a preços populares.
Em pouco tempo, terá o estádio mais defasado da cidade.
O time da elite é, cada vez mais, da massa.
Mas as simbologias ficam.
O São Paulo representa a elite.
O Corinthians, o povo.
Na prática, os dois são bem parecidos.
Massificados e capitalistas.
Ambos apoiados por ricos e pobres.
Mas, no imaginário, são opostos.
E é proibido demonstrar afeto pelo outro.
Sou são-paulino.
Optei e morrerei são-paulino.
Mas gosto bastante da nossa atual aproximação popular.
Bem mais do que da nossa imagem de mauricinhos.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Falando pelo Outro


A prática parece cada vez mais recorrente.

Principalmente nas ciências ditas sociais - ou humanas -, o que não faltam são trabalhos que versam sobre a periferia, sobre os excluídos, sobre aqueles que não tem voz, e etc.

Geralmente são bem intencionados, mas ainda que sejam bem próximos e envolvidos, muitas vezes os pesquisadores não pertencem ao universo que pretendem estudar.

Espero que esteja claro que me refiro a mim mesmo.

Mas não só.

Encontro muitas pesquisas com o mesmo viés, e de certo modo me parece (e aqui tento me defender) uma forma válida de expressar um descontentamento com a atual situação em que vivemos.

Assim, nos achamos no direito de discursar sobre pessoas ou lugares que não necessariamente correspondem a nós ou ao lugar onde vivemos.

Com essas inquietações, e também consciente de que ser brasileiro é, por pouco que seja, ser periférico, fui atrás de uma corrente de pensamento denominada “pós-colonialismo”.

A idéia, basicamente, é tentar pensar a realidade atual dos países ex(?)-colonizados não como uma continuação porca e atrasada do desenvolvimento ocidental, mas como um processo próprio que tem muito mais a ganhar com um diálogo entre eles do que numa aspiração ao “primeiro mundo”.

Nessas andanças, me deparei com um livro chamado “Pode o subalterno falar?”, de uma intelectual indiana (que ironicamente pertence a uma universidade norte-americana), que questiona até que ponto um intelectual pode se referir a alguém supostamente subordinado.

Ela usa a idéia de representar, tanto como “falar em nome de” quanto como no sentido de atuação dramática, dizendo com isso que o intelectual está sempre no papel de interlocutor de alguém, e que por melhores que sejam suas intenções, não deixa de reproduzir uma relação de dominação.

Antes de tudo, acho importante dizer que termos como subalternos, subordinados, dominação, e mesmo periferia, não me convencem.

Usar termos como esses é, exatamente como ela diz, assumir que existem pessoas e lugares que estão abaixo em algum tipo de hierarquia, e que precisam ser defendidos por alguém melhor posicionado.

Como se a ideia de periferia não fosse, por si só, relacional, ou seja: para os que moram na suposta periferia, ela é o centro, e não o contrário.

O que mais me incomoda nessa história, porém, mais do que essas elucubrações intelectuais, é a reação negativa dos que são supostamente representados nessa prática.

Em geral, ninguém gosta que venha alguém de fora dizer se sua situação é boa ou ruim ou se você é explorado ou não.

Já ouvi várias vezes que quem gosta de favela é sociólogo.

Que é muito fácil dizer que a vida dos outros é difícil.

Que pobreza não foi feita pra ser falada, mas sentida.

E aí fica minha dúvida.

É valido falar em nome de alguém?

Mais do que saber se o “subalterno” pode falar, acho que temos que fazer uma outra pergunta.

Podemos falar pelo outro?