terça-feira, 27 de outubro de 2015

More Time




















Tenho sido repetitivo.
Com todos que pedem notícias.
Querendo saber como está o trabalho.
A resposta é sempre a mesma.
Devagarzinho está saindo.
Lentamente.
Esqueçam o ritmo de São Paulo.
Onde tudo é pra ontem.
Onde a pressão é a ordem dia.
A cidade da buzina.
Da impaciência.
Eis uma grande diferença daqui.
Já disse isso antes.
Mas aqui, o tempo é outro.
O tempo de espera.
A hora marcada.
O processo de fazer contatos.
As ondas são sempre mais longas.
Alguns amigos discordam.
Dizem que Maputo é frenética.
Discordo também.
Ok, há trânsito.
Um pouco de correria.
Realmente difere do resto do país.
Mas mesmo assim é mais lento.
Mais lento que nosso tempo paulistano.
Aqui nada se faz com pressa.
E não adianta insistir.
Aliás, só piora.
Na verdade pode até dar resultado.
Você pode até conseguir o que quer.
Mas ferindo a lógica local.
E estremecendo a relação.
Tenho tentado seguir a lógica.
Claro, faço um pouco de pressão.
Mas num outro intervalo.
Espero alguns dias após a visita.
Anoto um telefone aqui.
Faço uma ligação ali.
Um e-mail pra reforçar.
E tem saído.
Garanto, com paciência sai.
Não é que não querem ajudar.
Bom, alguns não querem mesmo.
Tive pedidos negados.
Mas no geral, as pessoas são solícitas.
Só que tem seu próprio tempo.
Aí, o problema é outro.
Dois meses é muito pouco.
É o tempo de iniciar os contatos.
Estabelecer uma relação.
Sondar, investigar.
Esperar uma disponibilidade.
Na verdade o tempo é relativo.
Dois meses é pouco para o trabalho.
Mas é muito para a distância.
Para a saudade.
Lidar com o tempo.
Um exercício contínuo.
Às vezes ansiosidade.
Às vezes calma.
Às vezes pressa.
Às vezes paciência.
Há tempos venho insistido nisso.
Em pensar sobre o tempo.
No que fazer em relação a ele.
E cheguei a uma conclusão.
Na verdade não fui eu.
Foi o Linton Kwesi Johnson.
Músico, sociólogo e poeta jamaicano.
Compositor de uma música.
Um hino.
Pelo menos pra mim.
Chama-se “More time”.
É bem simples.
Só diz que precisamos de mais tempo.
Mais tempo para criar.
Mais tempo para edificar.
Mais tempo para contemplar.
Mais tempo para ruminar.
Não necessariamente nessa ordem.
Mas a mensagem é essa.
Precisamos de mais tempo.
É difícil.
Mas eu tenho tentado entender isso.

Moçambique já entendeu faz tempo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

China in Moz
















Começou no avião.
Nos dois.
Ok, no vôo até Addis Abeba normal.
Afinal, é rota pra China.
A surpresa foi no segundo.
Addis-Abeba à Maputo.
Muitos chineses no vôo.
Consideráveis, pro tamanho do avião.
Mas no começo foi só nas alturas.
Em terra firme, não via nenhum.
Onde estariam todos aqueles chineses?
Foi questão de tempo.
Aos poucos fui vendo-os.
Na rua.
Nos restaurantes.
Na universidade.
Jovens, velhos.
Crianças.
Adolescentes.
Muita coisa mudou.
Em 2008, havia um boato.
Quase uma lenda.
Os chineses daqui eram todos prisioneiros.
Prisioneiros na China.
Que foram mandados pra cá.
Verdade ou não, eram mais raros.
Existiam restaurantes chineses.
Prédios chineses.
Mas não era comum vê-los.
Agora não.
Agora são chineses de classe média.
Famílias.
Tenho visto inclusive turistas.
Eles chegaram.
Não, não é tão novidade assim.
Eles estão aqui desde o tempo colonial.
Ajudaram durante o socialismo.
Alguns se enraizaram.
Mas eram poucos.
A dimensão mudou.
O que os moçambicanos acham?
Sempre tento perguntar.
Em geral, são desconfiados.
Não gostam de como trabalham.
Da qualidade das obras.
Mesmo da postura dos chineses.
Mas é uma coisa até indiferente.
Os chineses não tentam ensinar nada.
Não se acham superiores.
Como grande parte dos estrangeiros.
Pelo menos é o que parece.
Mas é preciso cuidado.
Já fui alertado.
Nem tudo são chineses.
A Ásia Oriental chega de modo geral.
Vi alguns sul-coreanos.
Muitos até.
Ouvi também que são muitos vietnamitas.
Confesso que não sei reconhecer.
Eu tenho minhas apostas.
Mas certeza nunca.
De qualquer jeito, os chineses são maioria.
O que vêm fazer?
Obras.
Muitas obras.
Fizeram o aeroporto novo.
Fizeram o estádio novo.
Esse aí da foto.
Estão construindo uma estrada circular em Maputo.
Uma ponte entre Maputo e o sul da cidade.
Estão construindo estradas no país todo.
Sobem um hotel gigantesco na praia.
Subiram diversos prédios administrativos.
Ministérios.
Muitos.
Grandes.
Novinhos.
Não é brincadeira.
A China chegou em Moçambique.
Mas não só.
A China chegou na África.
Em todos os países.
Ou quase.
A China chegou no mundo.
E parece que chegou pra ficar.

Acostumem-se.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Raízes aladas




















Ser pássaro.
Ser árvore.
Bater asas.
Fincar raízes.
Conhecer o mundo.
Conhecer a vizinhança a fundo.
É o dilema de quem tem herança migrante.
Avós.
Paternos e maternos.
Pai.
Mãe.
Todos migraram para nunca mais voltar.
Uns mudaram de continente.
Alguns de Estado.
Outros apenas de cidade.
Eu já migrei também.
Migrei pra outro continente.
1 ano e meio.
E cá estou por mais 2 meses.
Mas não são só asas.
Voando criei raízes.
Em duas cidades.
O pássaro e a árvore se completam.
Todo vôo precisa de pouso.
E não há melhor pouso que uma árvore.
Enraizada no chão.
Mas que também precisa voar.
Também precisa levar suas sementes pra longe.
Sozinha não conseguiria.
Por isso existem os pássaros.
Não há árvore sem pássaro.
Não há pássaro sem árvore.
Asas para voar.
Raízes para sustentar.
Um movimento para o céu.
Outro para o chão.
Forças opostas.
E complementares.
Equilibrar as forças.
Eis o desafio.
Nenhuma pode vencer.
Precisam sempre estar em confronto.
Do contrário, não há criação do novo.
Entre asas e raízes, cria-se a vida.
As escolhas são sempre momentâneas.
Tempos de asas.
Tempos de raízes.
Mas a vida é totalidade.
E na totalidade, asas e raízes coexistem.

Ainda bem.