Tudo tem uma
geografia.
Inclusive eu.
Vim de algum lugar.
Em decorrência de
algum processo histórico.
E assim sigo minha
vida.
Indo e vindo dos
lugares.
Recebendo influências
de vários outros lugares.
E dando continuidade
aos processos.
Que, obviamente, não
foram começados por mim.
Apenas dou
continuidade.
Vamos lá.
Sou recente no Brasil.
Nasci aqui, claro.
Mas meus ancestrais
não.
Avós e bisavós, pra
ser mais exato.
Tenho origens
européias.
Por parte de pai, vim
de Portugal.
Por parte de mãe, vim
da Itália.
Na verdade não é bem
assim.
Quando digo Portugal,
digo a Ilha da Madeira.
Quando digo Itália,
digo a Sicília.
Ambas são separadas
dos países respectivos.
Ambas são separadas da
Europa continental.
Não são, afinal, a
Europa vendida ao mundo.
São, poderia dizer
assim, uma periferia da Europa.
Mais do que isso.
Dêem uma olhada num
mapa.
Elas são mais próximas
da África do que da Europa.
Onde a população é, de
modo geral, mais pobre.
A tal ponto que
precisam migrar.
Mas a migração não
começou aí.
Não tenho evidências,
mas acho lógico isso ter acontecido.
Portugal viveu por um
bom tempo sob a influência dos mouros.
Que formaram também a
população madeirense.
Por muito tempo, a
Sicília foi dominada pelos muçulmanos.
Então por isso imagino
que eu tenha um pé no mundo árabe.
Um pé não, um nariz.
Só não vê quem não
quer.
Viva o Mediterrâneo!
De qualquer maneira,
voltemos à pseudo-Europa.
Portugueses do
ultra-mar e italianos insulares.
Geralmente em
dificuldade nas suas terras.
E que viam na migração
uma oportunidade de melhorar de vida.
Brasil, a terra das
oportunidades.
São Paulo, a terra do
café.
Eis que me aproximo de
mim mesmo.
Minha família paterna
plantava café.
Minha família materna
comerciava café.
Inicialmente, as
famílias foram pro interior.
Alguns foram pro
litoral.
Mas todos gostavam das
oportunidades.
E como tantas famílias
do Brasil, vieram pra capital.
A cidade das
oportunidades.
Por isso nasci em São Paulo.
Uma vez nascido, porém,
precisava estudar.
E lá fui eu passar boa
parte da minha vida no Mackenzie.
Uma escola americana.
Melhor,
norte-americana.
Melhor ainda,
estadunidense.
E depois de cruzar o Mediterrâneo
e o Atlântico.
Fui ao norte das
Américas.
Ok, nunca viajei pra
lá.
Mas aprendi o
raciocínio.
E aprendi que o Brasil
sempre gostou do raciocínio deles.
Mesmo os que não podem
entrar no jogo.
Por isso, não me
convenci.
E fui fazer Geografia
na USP.
Onde o raciocínio é
completamente outro.
Apesar das bases européias.
Francesas e alemãs,
majoritariamente.
Resultado da difusão
da ciência ocidental.
Da exportação das
universidades e das correntes de pensamento.
Enfim, da tentativa de
ocidentalizar o mundo.
De qualquer jeito,
sejamos justos.
Há um bom tempo existe
uma Geografia brasileira.
Muito boa, por sinal.
Mas admito que demorei
pra perceber.
Demorei pra me
desocidentalizar um pouco.
Disse um pouco.
Ainda falta muito.
Mas algo ajudou.
Depois de cruzar o
mediterrâneo, o atlântico e as Américas, fui à África.
Dessa vez,
literalmente.
Não foram meus
parentes, nem meu raciocínio.
Fui eu mesmo.
Mas não descobri a
roda.
Era uma época de
renascimento africano no Brasil.
E só fui pois havia um
convênio acadêmico.
Um movimento em
direção à Moçambique já existia.
Apenas segui o fluxo.
E enfiei uma nova
geografia na minha cabeça.
Um novo referencial,
um novo parâmetro.
Novos valores.
E depois de todo
movimento, eis que estou em
São Paulo de novo.
Na cidade em que
nasci.
Meu referencial
perante o mundo.
Onde toda minha
história converge.
E onde baseio minha
vida.
Mas sem parar de me
movimentar.
Afinal, existe um dado
curioso da minha família.
Digo a família direta.
Pais, avós, bisavós.
Não sei se são todos.
Mas todos que eu sei
foram assim.
Todos migraram uma vez.
Nasceram em um lugar e
foram pra outro em definitivo.
Não posso garantir que
farei o mesmo.
Nem pra onde vou.
Mas algo eu sei que
herdei.
Um sangue migrante.
Tenho uma herança
migrante.
Uma propensão natural ao
movimento.
Que é, afinal, a base
da geografia.
Pelo menos a que eu
estudo.
2 comentários:
Oi meu gordinho do sangue migrante! Ainda bem que você voltou para São Paulo, porque seria muito difícil eu te encontrar na África. Pra onde quer que você vá migrar, lembre-se de me levar! Te amo!
claro que levarei, mesmo porquê você também parece gostar de migrar, do contrário não teria feito faculdade no Paraná e vindo pra capitar!
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