segunda-feira, 14 de abril de 2014

Auto-Geografia



Tudo tem uma geografia.
Inclusive eu.
Vim de algum lugar.
Em decorrência de algum processo histórico.
E assim sigo minha vida.
Indo e vindo dos lugares.
Recebendo influências de vários outros lugares.
E dando continuidade aos processos.
Que, obviamente, não foram começados por mim.
Apenas dou continuidade.
Vamos lá.
Sou recente no Brasil.
Nasci aqui, claro.
Mas meus ancestrais não.
Avós e bisavós, pra ser mais exato.
Tenho origens européias.
Por parte de pai, vim de Portugal.
Por parte de mãe, vim da Itália.
Na verdade não é bem assim.
Quando digo Portugal, digo a Ilha da Madeira.
Quando digo Itália, digo a Sicília.
Ambas são separadas dos países respectivos.
Ambas são separadas da Europa continental.
Não são, afinal, a Europa vendida ao mundo.
São, poderia dizer assim, uma periferia da Europa.
Mais do que isso.
Dêem uma olhada num mapa.
Elas são mais próximas da África do que da Europa.
Onde a população é, de modo geral, mais pobre.
A tal ponto que precisam migrar.
Mas a migração não começou aí.
Não tenho evidências, mas acho lógico isso ter acontecido.
Portugal viveu por um bom tempo sob a influência dos mouros.
Que formaram também a população madeirense.
Por muito tempo, a Sicília foi dominada pelos muçulmanos.
Então por isso imagino que eu tenha um pé no mundo árabe.
Um pé não, um nariz.
Só não vê quem não quer.
Viva o Mediterrâneo!
De qualquer maneira, voltemos à pseudo-Europa.
Portugueses do ultra-mar e italianos insulares.
Geralmente em dificuldade nas suas terras.
E que viam na migração uma oportunidade de melhorar de vida.
Brasil, a terra das oportunidades.
São Paulo, a terra do café.
Eis que me aproximo de mim mesmo.
Minha família paterna plantava café.
Minha família materna comerciava café.
Inicialmente, as famílias foram pro interior.
Alguns foram pro litoral.
Mas todos gostavam das oportunidades.
E como tantas famílias do Brasil, vieram pra capital.
A cidade das oportunidades.
Por isso nasci em São Paulo.
Uma vez nascido, porém, precisava estudar.
E lá fui eu passar boa parte da minha vida no Mackenzie.
Uma escola americana.
Melhor, norte-americana.
Melhor ainda, estadunidense.
E depois de cruzar o Mediterrâneo e o Atlântico.
Fui ao norte das Américas.
Ok, nunca viajei pra lá.
Mas aprendi o raciocínio.
E aprendi que o Brasil sempre gostou do raciocínio deles.
Mesmo os que não podem entrar no jogo.
Por isso, não me convenci.
E fui fazer Geografia na USP.
Onde o raciocínio é completamente outro.
Apesar das bases européias.
Francesas e alemãs, majoritariamente.
Resultado da difusão da ciência ocidental.
Da exportação das universidades e das correntes de pensamento.
Enfim, da tentativa de ocidentalizar o mundo.
De qualquer jeito, sejamos justos.
Há um bom tempo existe uma Geografia brasileira.
Muito boa, por sinal.
Mas admito que demorei pra perceber.
Demorei pra me desocidentalizar um pouco.
Disse um pouco.
Ainda falta muito.
Mas algo ajudou.
Depois de cruzar o mediterrâneo, o atlântico e as Américas, fui à África.
Dessa vez, literalmente.
Não foram meus parentes, nem meu raciocínio.
Fui eu mesmo.
Mas não descobri a roda.
Era uma época de renascimento africano no Brasil.
E só fui pois havia um convênio acadêmico.
Um movimento em direção à Moçambique já existia.
Apenas segui o fluxo.
E enfiei uma nova geografia na minha cabeça.
Um novo referencial, um novo parâmetro.
Novos valores.
E depois de todo movimento, eis que estou em São Paulo de novo.
Na cidade em que nasci.
Meu referencial perante o mundo.
Onde toda minha história converge.
E onde baseio minha vida.
Mas sem parar de me movimentar.
Afinal, existe um dado curioso da minha família.
Digo a família direta.
Pais, avós, bisavós.
Não sei se são todos.
Mas todos que eu sei foram assim.
Todos migraram uma vez.
Nasceram em um lugar e foram pra outro em definitivo.
Não posso garantir que farei o mesmo.
Nem pra onde vou.
Mas algo eu sei que herdei.
Um sangue migrante.
Tenho uma herança migrante.
Uma propensão natural ao movimento.
Que é, afinal, a base da geografia.
Pelo menos a que eu estudo.

2 comentários:

Lika FRÔ disse...

Oi meu gordinho do sangue migrante! Ainda bem que você voltou para São Paulo, porque seria muito difícil eu te encontrar na África. Pra onde quer que você vá migrar, lembre-se de me levar! Te amo!

Antonio Guiça disse...

claro que levarei, mesmo porquê você também parece gostar de migrar, do contrário não teria feito faculdade no Paraná e vindo pra capitar!