sexta-feira, 16 de maio de 2014

Bernardo e Wallace



Bernardo nasceu em uma família rica.
Cresceu em um apartamento grande, num bairro nobre.
Estudou, obviamente, em um colégio particular.
Muito conceituado.
E caro.
Mas seus pais podiam pagar.
Pra ele e pro seu irmão.
Bernardo não fazia muita coisa além de ir pra escola.
Jogava futebol, vídeo-game.
Passava boas horas na internet.
Mas estudava razoavelmente.
E geralmente tirava boas notas.
Gostava muito de História.
Admirava os grandes feitos, as conquistas, as guerras.
Mas também se incomodava com a exploração e o colonialismo.
E foi prestar vestibular para a área.
Wallace teve um caminho diferente.
Morava em uma casa apertada, bem longe do centro.
Seus pais não podiam pagar um colégio particular.
Nem pra ele nem pros seus seis irmãos.
Estudou sempre em escola pública.
À noite.
Durante o dia, trabalhava.
Mas sempre que o tempo deixava, estudava.
Assim como Bernardo, gostava de História.
Admirava os grandes feitos, as conquistas, as guerras.
Mas também se incomodava com a exploração e o colonialismo.
E também foi prestar vestibular para a área.
Havia a faculdade pública e a particular.
Os dois prestaram ambas.
Teoricamente, a lógica seguiria.
Quem pode pagar a privada, paga.
Quem não pode, faz a pública.
Mas não era bem assim.
Era o oposto da época de colégio.
No colégio, o ensino privado era considerado melhor.
O público era destinado a quem não tinha acesso ao privado.
Já na faculdade, a menina dos olhos era o ensino público.
A concorrência maior.
Os professores mais conceituados.
O privado era destinado a quem não tinha acesso ao público.
Bernardo passou na faculdade pública.
Bem ele, que tinha dinheiro pra pagar faculdade.
Mas não iria.
Wallace só passou na faculdade privada.
Bem ele, que não tinha dinheiro pra pagar faculdade.
Mas teria que pagar.
Durante a faculdade, Bernardo aproveitou ao máximo.
Passava os dias curtindo o que a faculdade oferecia.
E estudava bastante.
Como não pagava mensalidade, sobrava dinheiro.
Pra viajar, comprar livros, participar de eventos.
Fez jus ao investimento dos seus pais.
Depois de formado, foi à luta.
Queria ser professor.
Já Wallace seguiu sua toada.
A faculdade era paga.
E ninguém podia pagar por ele.
Como antes, trabalhava o dia todo.
E ia pra faculdade à noite.
Agora, porém, trabalhava mais.
Afinal, as contas eram maiores.
Dormia pouco.
Passava o final de semana estudando.
Mas gostava muito do que fazia.
E orgulhava seus pais.
Depois de formado, foi à luta.
Queria ser professor.
Mais uma vez, o caminho de ambos era o mesmo.
Mas, mais uma vez, os caminhos se invertiam.
Bernardo cresceu no ensino particular
Graduou-se no público.
E agora era professor de uma escola privada.
Que pagava bem melhor.
Possibilitando um futuro parecido para seus filhos.
Wallace cresceu no ensino público
Graduou-se no particular.
E agora era professor de escola pública.
Onde o salário é mais baixo.
Possibilitando um futuro parecido para seus filhos.
Ambos voltaram às origens.
Sem mudar drasticamente de vida.
A roda parece girar sempre no mesmo sentido.
Há exceções, sem dúvida.
Cada pessoa tem sua história particular.
Faz suas opções.
Econômicas e ideológicas.
Mas o movimento geral parece ser esse.
Não só na educação.
Nem apenas nas ciências humanas.
Mas na sociedade como um todo.
E não se pode condenar nenhum caminho.
Bem ou mal, todos tem contas a pagar.
Umas maiores, outras menores.
E o fazem conforme é possível.
Conforme suas oportunidades e possibilidades.
Bernardo gosta do que faz.
Wallace também.
Só pra constar.
Meu caminho é mais próximo do de Bernardo.
Cresci no ensino privado.
Hoje estudo no ensino público.
E dou aula particular.

Um comentário:

Lika FRÔ disse...

Oi lindo! Adorei, você sabe, já te falei, mas quero deixar registrado aqui. Infelizmente existe essa realidade, muito embora não seja generalizada, mas é a grande maioria. Feliz são os que tem e conseguem aproveitar as oportunidades. Não que os outros sejam infelizes, mas seria muito mais fácil se ambos tivessem oportunidades iguais. Beijooos :*