A prática parece cada
vez mais recorrente.
Principalmente nas
ciências ditas sociais - ou humanas -, o que não faltam são trabalhos que
versam sobre a periferia, sobre os excluídos, sobre aqueles que não tem voz, e
etc.
Geralmente são bem
intencionados, mas ainda que sejam bem próximos e envolvidos, muitas vezes os
pesquisadores não pertencem ao universo que pretendem estudar.
Espero que esteja
claro que me refiro a mim mesmo.
Mas não só.
Encontro muitas
pesquisas com o mesmo viés, e de certo modo me parece (e aqui tento me
defender) uma forma válida de expressar um descontentamento com a atual
situação em que vivemos.
Assim, nos achamos no
direito de discursar sobre pessoas ou lugares que não necessariamente
correspondem a nós ou ao lugar onde vivemos.
Com essas
inquietações, e também consciente de que ser brasileiro é, por pouco que seja,
ser periférico, fui atrás de uma corrente de pensamento denominada
“pós-colonialismo”.
A idéia, basicamente,
é tentar pensar a realidade atual dos países ex(?)-colonizados não como uma
continuação porca e atrasada do desenvolvimento ocidental, mas como um processo
próprio que tem muito mais a ganhar com um diálogo entre eles do que numa
aspiração ao “primeiro mundo”.
Nessas andanças, me
deparei com um livro chamado “Pode o subalterno falar?”, de uma intelectual
indiana (que ironicamente pertence a uma universidade norte-americana), que
questiona até que ponto um intelectual pode se referir a alguém supostamente
subordinado.
Ela usa a idéia de
representar, tanto como “falar em nome de” quanto como no sentido de atuação
dramática, dizendo com isso que o intelectual está sempre no papel de
interlocutor de alguém, e que por melhores que sejam suas intenções, não deixa
de reproduzir uma relação de dominação.
Antes de tudo, acho
importante dizer que termos como subalternos, subordinados, dominação, e mesmo periferia,
não me convencem.
Usar termos como esses
é, exatamente como ela diz, assumir que existem pessoas e lugares que estão
abaixo em algum tipo de hierarquia, e que precisam ser defendidos por alguém melhor
posicionado.
Como se a ideia de
periferia não fosse, por si só, relacional, ou seja: para os que moram na
suposta periferia, ela é o centro, e não o contrário.
O que mais me incomoda
nessa história, porém, mais do que essas elucubrações intelectuais, é a reação
negativa dos que são supostamente representados nessa prática.
Em geral, ninguém
gosta que venha alguém de fora dizer se sua situação é boa ou ruim ou se você é
explorado ou não.
Já ouvi várias vezes
que quem gosta de favela é sociólogo.
Que é muito fácil
dizer que a vida dos outros é difícil.
Que pobreza não foi
feita pra ser falada, mas sentida.
E aí fica minha
dúvida.
É valido falar em nome
de alguém?
Mais do que saber se o
“subalterno” pode falar, acho que temos que fazer uma outra pergunta.
Podemos falar pelo outro?
4 comentários:
Nós falamos pelo outro e este fala de nós. A questão é se o outro quer que sua realidade mude ou não. Mas como ele vai saber se não conhecer outras realidades? Pra mim, muito além de falar, o fazer e agir também tem grande valia. Bjs, meu amor! :)
Muito bom o texto, Netinho! A palavra "dominação" é um pouco forte, mas acho que muitas vezes há condescendência e até instrumentalização de pessoas e grupos considerados "desfavorecidos"... A frase que eu conhecia era a do Joãozinho Trinta: "Pobre gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual"...
Acho que existem outras perguntas pertinentes a esse debate: Qual é o papel do intelectual? Se o nosso ofício é justamente o de interpretar (e transformar) a realidade em que vivemos não seria algo intrínseco o falar sobre o outro? E quando esse outro é embrutecido pelo dia a dia de privações e exploração, falar, denunciar sobre essa realidade já não é uma forma de dar-lhe voz? Eu realmente não concordo com uma certa perspectiva pós-moderna que relativiza o papel do intelectual na sociedade, que retira o papel de protagonista que nós devemos ter no processo de emancipação e humanização das pessoas, principalmente da classe trabalhadora. Acho essencial que andemos lado a lado com essa classe, levando até eles perspectivas da realidade que lhes são negadas, lhes dando condições para que eles também passem a perceber essa realidade com outros olhos, principalmente com a perspectiva de mudança. Obviamente eles sabem das condições que sofrem no dia a dia, o que precisamos é apresentar os instrumentos para que eles transformem essa realidade. Nós temos sim que despertar essas consciências da alienação, não podemos nos furtar disso. Pra exemplificar: Desde o ano passado dou aula em um cursinho popular, e no início do ano as garotas negras chegavam de chapinha no cabelo. Foi incrível ver que após o contato delas com as discussões sobre feminismo e racismo as atitudes sobre elas mesmas foi mudando. Só sei que no fim do ano todas estavam ostentando cabelos crespos, black powers, e dizendo reiteradas vezes que o cursinho havia sido essencial para que elas se tornassem conscientes da opressão que sofreram a vida toda e da qual nunca tinham se dado conta, tamanha a naturalização dessa opressão. Hoje fazem parte do movimento negro. Outro exemplo: Uma camarada mantém contato com o líder da greve dos garis do Rio, ela o presenteou com um Manifesto Comunista e ele sempre vem pedir pra que ela explique algumas coisas que ele não entendeu. Ele tem lido umas 10 páginas por semana, tem feito no ritmo dele. Essa minha camarada explicou pra ele o significado do 1º de maio, o porque era "dia do trabalhador". Ele ficou maravilhado e disse que organizaria os garis para esse dia de luta lá no Rio. Enfim, acho que esse é o nosso papel, sabe? Esse papel pedagógico de despertar a consciência de quem não pode fazê-lo sozinho pelas condições embrutecedores em que vive. A quem interessa relativizar ou até mesmo negar essa função do intelectual na sociedade? Outra boa pergunta.
Outra questão: Acredito que seria empobrecedor demais para o trabalho intelectual se de fato partíssemos do pressuposto de que só podemos falar sobre o lugar ou sobre a condição social em que vivemos. Pra mim isso está na mesma lógica daquele discurso simplista, economicista até eu diria, de que pessoas que nascem em uma melhor condição social não podem ser de esquerda, por exemplo. A gente precisa levar em conta a questão da perspectiva do olhar de quem fala e lembrar que muitas vezes alguém que olhe um determinado fenômeno de fora pode ter uma percepção muito mais ampla e complexa daquilo do que alguém que esteja vivendo o tal fenômeno.
Sobre a relação de poder que o intelectual teria sobre o "subalterno": Bom, partindo da realidade concreta, de uma sociedade cindida em classes, onde a divisão entre trabalho intelectual e trabalho braçal faz parte do cerne do sistema, acredito ser quase impossível encontrar relações que sejam plenamente simétricas. É claro que existe algum grau de hierarquia entre quem detém o saber e quem o está assimilando, existe uma certa relação de dependência, sem dúvidas. Agora, eu não acredito que isso seja ruim em si, principalmente se essa relação se desenvolver no sentido de superar outras formas de relações de dominação que são muito piores e centrais, como a dominação de classe ou mesmo a dominação inter-estatal. Se o fim político é a emancipação do "subalterno" essa relação de dominação só pode ser temporária, se transformando no seu oposto. É uma relação dialética.
Sobre a validade do conceito de "dominação": Acho que o correto aqui é reconhecer que dominação alguma se dá de forma passiva, o dominado sempre procurará formas de reagir, mas isso não invalida o fato de que a dominação existe, seja a dominação de classe ou seja a dominação inter-estatal. Não existem relações simétricas no capitalismo. Por isso eu também continuo considerando que os conceitos de centro-periferia são mais válidos do que nunca para entendermos as relações existentes no mundo capitalista. E enfim, a gente querendo ou não, as decisões que atingem a periferia continuam sendo tomadas no centro e não o contrário.
Bom, acho que já falei demais. haha
Por ora é isso.
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