sexta-feira, 29 de agosto de 2014

De novo o Estado

É impressionante como faz tempo que a discussão sobre o grau de intervenção do Estado está em pauta no mundo todo, com alguns momentos de clamor pelo seu enfraquecimento, e outros solicitando um papel de maior destaque.

É engraçado, também, como essa questão da intervenção estatal desemboca, rapidamente, no embate entre socialismo e capitalismo, que muitos tentam traduzir em outro embate, o da ditadura contra a liberdade.

Nesse caso, associa-se a intervenção estatal ao socialismo e à ditadura, enquanto o capitalismo e a liberdade dispensariam o Estado.

Esquece-se, assim, que mesmo no país-símbolo do capitalismo e da “liberdade” (atenção para as aspas), os EUA, o Estado é muito forte, e a liberdade pregada para o mercado e para as finanças (basicamente de lá para fora), não se repete para a circulação de pessoas, principalmente de imigrantes.

Além disso, o argumento de que nos EUA “a justiça funciona” (apenas para os negros, latinos e muçulmanos, diga-se de passagem), passa também por um Estado forte.

Aliás, o próprio Banco Mundial, grande defensor do mercado e das finanças sem fronteiras, reconheceu em um relatório recente que os Estados precisam ser mais atuantes, do contrário sua estratégia global não se sustentaria.

O BRICS, que aos poucos vai se mostrando uma nova alternativa à polarização mundial, é composto por países onde o Estado é forte e intervencionista, com exceção talvez da África do Sul.

A tendência na América do Sul, ao contrário dos ventos neoliberais da década de 90 que não deram fruto algum, é de Estados cada vez mais atuantes, como o Uruguai, a Argentina, a Bolívia e a Venezuela.

Não pensem, porém, que Estado forte é sinônimo de rompimento com a economia capitalista.

É importante lembrar, também, que o próprio desenvolvimento capitalista, como conhecemos, tem um importante componente de competição interestatal, de maneira que não é possível pensá-los dissociadamente.

Existem exceções, como Cuba e a Coréia do Norte, ainda que o primeiro comece a dar sinais de menos rigidez, mas todos os países com Estado forte de que falei até agora estão, de uma ou de outra forma, inseridos no mercado.

De qualquer maneira, grande parte do atual levante dos países do Sul e da crise do mundo do Norte, passa pela relação que eles tem mantido com o Estado.

Assim, quando Aécio e Marina vem com o discurso do Estado mínimo como solução para o problema do Brasil, mostram uma falta de memória e uma disposição incrível para o retrocesso.

A mídia, é claro, endossa o discurso, já que sua regulação pelo Estado está em jogo, e ela tenta nos fazer acreditar que impor limites à sua atuação é um atentado contra a liberdade de expressão.

Coincidentemente, é a mesma mídia que defende sutilmente a privatização da USP, e critica o sistema público de saúde (como se o privado funcionasse muito melhor) e o sistema de transportes (que está o caos que está exatamente pelo gradual abandono do Estado em sua gestão).

Obviamente que não é de um Estado totalitário e onipresente que necessitamos, mas de um Estado que coloque alguns freios ao liberalismo (disfarçado de “libertarismo”) e ao conservadorismo que vira e mexe se manifesta com força no Brasil, como vem acontecendo.

Defender o Estado não é defender a ditadura.

Ditadura está mais para o que os defensores do liberalismo tentam nos impor goela abaixo, sob o pretexto de estarem defendendo a liberdade (Milton Santos fala de “globalitarismo”).

Já disse antes que, no meu mundo ideal, o Estado não seria necessário.


Mas hoje em dia precisamos dele para combater a ditadura da liberdade.

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