Quando
o Mandela morreu, no final do ano passado, não cheguei a me surpreender com a
comoção causada, pois o que mais eu admirava nele era a capacidade de ser
respeitado por todos, em todos os lugares.
Por
outro lado, sempre tive um pé atrás com unanimidades, e uma figura pública como
Mandela, praticamente isolada de críticas, também me despertava curiosidade.
Foi
quando, um pouco depois da sua morte, li um artigo que tentava argumentar que
Mandela havia deixado um legado contraditório, já que após sua passagem pela
presidência a estrutura social sul-africana não se transformou
substancialmente.
Instigado
pelo artigo, resolvi enviá-lo a amigos em Moçambique, que prontamente
criticaram-no, dizendo que além de usar dados questionáveis, o artigo não
levava em consideração que Mandela não conduzia sozinho o país, me fazendo
refletir também que a mudança que a África do Sul buscava não podia ser
alcançada a curto ou médio prazo.
De
qualquer maneira, meus amigos disseram que o artigo valia pela tentativa de humanizar
o Mandela, colocando-o mais próximo de nós, simples mortais, sujeitos a erros e
acertos, e recomendaram a leitura de sua autobiografia, “Um longo caminho para
a liberdade”.
Reconheci
que sabia pouco sobre a “pessoa” Mandela e sua atuação política, e resolvi
tirar minhas férias de fim de ano para ler o livro, um tijolo de 500 páginas
grandes e com letras pequenas.
Logo
de cara percebi que, diferente da sua imagem de pacifista, fruto da política de
negociação com o regime do apartheid, Mandela durante toda a vida causou
transtornos por onde passou, fato reconhecido por ele mesmo em vários momentos
do livro.
Seja
na família, na comunidade em que nasceu, na universidade, em seu trabalho como
advogado ou na política, ele sempre foi um questionador, e diversas vezes teve
problemas com isso.
Mais
do que isso, foi um dos fundadores do Umkhonto we Sizwe, braço armado da ANC,
ao perceber que o diálogo não funcionaria mais na luta que ele e seus
companheiros empreendiam, e entrou na luta armada.
Fez
inclusive treinamento militar na Etiópia, o que o levou a ser procurado
mundialmente como terrorista, pelos mesmos que hoje em dia elevam sua imagem a
de um semi-Deus.
Muitas
vezes foi questionado pelos próprios companheiros, ao tomar decisões sozinho e ir
no sentido contrário do que se planejava em conjunto, argumentando que, como um
pastor de ovelhas, o verdadeiro líder deixava que o rebanho seguisse na frente,
controlando de trás (uma analogia um tanto quanto polêmica).
Mas,
para mim, a parte mais interessante do livro é quando Mandela assume que passou
de um militante radical a um negociador, e dá sua explicação para tal.
Reconhece
que, enquanto militante, o radicalismo é necessário, mas ao assumir a figura
pública de governante, não pode mais agir como se estivesse na luta armada.
Como
militante, ele representava um determinado grupo com determinados interesses,
mas como presidente ele teria que representar toda a África do Sul, inclusive
os brancos, e que por pior que fosse a desigualdade racial no país, era um dado
real com o qual ele precisava lidar.
O
presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, por exemplo, expropriou as terras de todos
os brancos do país, e nem por isso a situação zimbabweana melhorou
consideravelmente.
Em
suma, Mandela foi o presidente que poderia ser.
Não
transformou a vida dos sul-africanos em um paraíso, mas nenhum presidente em
nenhum continente conseguiu fazê-lo.
Como
dito no início, ele fazia parte de um grande projeto de seu partido, onde não
trabalhava sozinho, e a transformação social na África do Sul exige muito mais
do que um presidente bem intencionado.
Gostaria
de saber melhor sobre o processo de seu enriquecimento, e gostaria muito que
tivesse uma explicação razoável, já que enriquecer não significa
necessariamente alinhamento a ações ilícitas.
Importante
ressaltar, se ele enriqueceu por causa da política, nada mais justo para um
homem que dedicou sua vida toda, ficando longe da família e de todas as pessoas
próximas durante longos anos, a uma causa maior, independente se você concorda
ou não.
Depois
de tudo isso, da pequena imersão no personagem Mandela, a minha maior admiração
continua sendo a mesma de antes: apesar do caminho tortuoso, ele adquiriu uma
capacidade incrível de ser respeitado no mundo todo.
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